Uma força-tarefa de produtores brasileiros de aço veio nesta semana à capital dos Estados Unidos para tentar dissuadir o presidente Donald Trump e seus assistentes de incluir o Brasil em uma revisão nas exportações americanas de aço - o que pode trazer consequências dramáticas para a economia nacional.
Maior fornecedora de aço semi-acabado - matéria-prima para produtos laminados - para os EUA, a indústria brasileira faturou US$ 1,7 bilhões, ou R$ 5,4 bilhões, nas vendas totais de 4,5 milhões de toneladas de aço para os americanos em 2016.
Mas uma investigação ordenada por Trump colocou a saúde deste mercado em risco. Sob a justificativa de "segurança nacional", o governo americano estuda restrições ou sobretaxas que poderiam chegar a 25% nas compras de aço produzido em países como o Brasil.
Em abril, o presidente americano disse que a indústria do aço dos EUA teria sido "sitiada" durante décadas por concorrentes estrangeiros "que ganharam a vida tirando proveito" de leis de comércio desfavoráveis aos americanos.
Segundo o presidente, a concorrência teria gerado demissões em massa e inundado os EUA com "aço barato".
Para reverter o cenário, Trump acionou a chamada seção 232, um dispositivo criado nos anos 1960 por John F. Kennedy para permitir ao presidente investigar se importações de alguns setores podem ameaçar a segurança nacional - seja pelo risco de desabastecimento ou pelo impacto econômico de uma concorrência desleal.
Em 54 anos, segundo dados oficiais, a seção 232 foi utilizada 26 vezes - e apenas cinco delas resultaram em alguma resolução presidencial (a última foi em 2001, com George W. Bush, e não teve efeitos práticos).
O resultado da apuração pode ser divulgado pela administração de Trump até 14 de janeiro do ano que vem, mas indústria e governo brasileiros já se mobilizam para evitar um eventual baque.
Após a bateria de reuniões entre empresários, políticos e lobistas de ambos os lados nesta semana, o ministro Marcos Pereira ( Desenvolvimento, Indústria e Comércio) encontrará o secretário americano de comércio, Wilbur Ross, no próximo dia 19 de outubro, em Washington, para discutir as exportações brasileiras.
"O Brasil é parte da solução, não do problema", afirmou nesta terça-feira Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, argumentando que o Brasil tem balança comercial negativa com os EUA há mais de 10 anos e que o aço brasileiro aumenta a competitividade americana em setores como agronegócio e infraestrutura.
"Nós não destruímos empregos, nós criamos", argumentou o colega Alexandre de Campos Lyra, também porta-voz da indústria, classificando a investigação americana como "protecionismo".
Procurado pela BBC Brasil, o departamento de Comércio dos EUA não quis comentar a medida.
Em notas oficiais, entretanto, o governo americano afirmou que iniciou a investigação por conta de "subsídios e outras práticas injustas" de governos estrangeiros - em referência indireta à China, que enfrenta 176 processos internacionais sobre disputa desleal no mercado. O Brasil enfrenta 16.
Os EUA alegam que tentaram negociar com os produtores para a redução de subsídios.
"Até hoje, estes esforços tiveram resultados práticos mínimos", alega o governo.
A raiz do imbróglio que pode afetar o Brasil, segundo os empresários, estaria na gigantesca indústria do aço na China, que, graças a estímulos do governo, tornou a capacidade de produção muito maior do que a procura pelo aço.
"A produção anual de aço no Brasil é equivalente a 14 dias de produção na China", afirmou Mello Lopes.
"O grande problema da indústria siderúrgica americana, ou europeia, ou brasileira, é o excesso de capacidade instalada, que hoje está concentrado na China. O Brasil é um aliado dos EUA neste sentido. Tanto a indústria siderúrgica brasileira quanto a americana são impactadas por preços e pela produção vinda principalmente da Ásia."
Para se diferenciar dos chineses, os brasileiros argumentam que a indústria brasileira compra produtos americanos produzidos a partir do aço exportado pelo Brasil, como carros, maquinário pesado e locomotivas, fazendo o dinheiro circular.
Além disso, boa parte do carvão utilizado para a produção do aço brasileiro também é importado dos EUA.
Questionados sobre uma eventual retaliação sobre estas compras de carvão, caso as importações de aço brasileiro sejam barradas, os empresários desconversaram.
"Este não é o espírito", afirmaram. Lobistas do setor, entretanto, segundo a BBC Brasil apurou, já citam esta possibilidade.
Em 2016, segundo a agência Bloomberg, o valor das ações dos dois maiores produtores de aço dos EUA tiveram o maior crescimento em uma década, como resultado de sanções internacionais aplicadas sobre produtos exportados pela China.
"Não é só o preço, não é só o emprego, também tem a ver com a segurança nacional do nosso país", alegou o presidente americano sobre estes resultados.
Para analistas, a investigação pode ser apenas um blefe de Trump para a renegociação de contratos - especialmente com chineses.
Mas também pode ser uma forma de garantir uma base mais heterogênea de países fornecedores - evitando que uma eventual crise política ou econômica, como a enfrentada pelo Brasil, contamine a produção e o abastecimento americanos.
Como os Estados Unidos não têm capacidade para produzir todo o aço que consome, a seção 232 poderia resultar em uma classificação de fornecedores em categorias como inofensivos, parcialmente ofensivos e fortemente ofensivos para a segurança interna americana.
Nesse caso, especula-se que Brasil e México poderiam ser encaixados na segunda categoria, enquanto a primeira poderia ser ocupada por Canadá e União Europeia e a última, pela China.
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